sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O inferno de Beatriz - por Leo Lama


 O inferno de Beatriz . Por Leo Lama


 Os contos de “Ossos de Princesas” de Beatriz Grimaldi cortam. Espetam. Esqueletos afiados perfuram o estômago do leitor. Cada um deles parece que vai sair pela pele, duros de roer, emergem como facas. Difícil acreditar que quem estiver lendo não será transpassado pelo incômodo. Técnica não falta. Cirurgia de precisão. Vai sem firulas nas feridas. Tudo enxuto, curto e engrossado por virilidade certeira. Não há espaço para fantasias nem milagres. Tudo é tragédia e tal inferno talvez seja um purgatório. Em “Cio” o humor quase negro, desengraçado, o patético a permear, ironia desses destinos. “Três mulheres que choram”. Pungente, das entranhas. “Oração”, o mais terrível, o medo da criança de ser do papai abusador, de perceber que não existe papai do céu nessa hora, então, o que pode salvar? “Ampulheta” afugenta o que poderia resultar piegas: perder um filho para o fatalismo, não ter mais nada de interessante na vida. Aposta na secura e ganha. “Words” vai deixando quem lê sem palavras, como se não fossem necessárias para se chegar até o final trágico. “Bolsos” transporta para o incômodo da espera, da falta de ar. “Amanda”, difícil de engolir. As bolachas vão ficando indigestas, mas ainda não se engoliu tudo. Não há perdão, mas é preciso piedade. Depois que se entra nesse ônibus, digo, nesses contos, não se pode mais sair. Onde é o “Ponto final”? O atroz, parece, vai virando tudo. Para onde nos conduz Beatriz? Que mundo é esse? “Escuro”. Pede outro tipo de pai. “Calma”, a palavra maldita. “Mamilos”, miolos. “As Horas”, as gotas. Não tem refresco. “Carmim” é a cor dos talheres. “Cúspide” e os sonhos caídos no chão. “A Lápis”. Na cidade tudo perde a cor e a chuva ácida borra o sorriso. “Epílogo” e o fim dos gozos ascos. “Comment Je M’Appelle?”, extrato de mãe. “Avizinhando” e olhando dentro dos buracos. Então chega a “Manhã”? Ainda há que se olhar para trás. A escritora quer que percamos a esperança? Pode estar querendo dizer que é imperativo que a encontremos urgentemente. Talvez, enquanto o leitor lute contra a amargura das narrativas, esteja também lutando para melhorar a vida. Por mais que essas breves histórias incomodem e não sejam algo para se ler como diversão, a forma é tão precisa ao relatar o conteúdo que o livro demolidor de “princesas” de Beatriz Grimaldi é mais do que preciso, é necessário, ainda que não seja para se gostar.


Leo Lama

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